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O livro de Van

Toda pessoa é especial e tem sua história particular. E qualquer uma pode contá-la através de um livro autobiográfico. Basta querer e se sentir à vontade para tanto.

É o que acaba de fazer a empresária Van Fernandes, rainha dos supermercados no Piauí, colecionadora de vários prêmios nacionais no segmento.

Ela conta sua história no livro Meu nome é Van, publicado em janeiro passado, em Teresina, na celebração de seu aniversário. A obra vem sendo distribuída entre os amigos e interessados.

É um livro de 320 páginas, que sai em fino acabamento gráfico, com projeto visual de Antônio Amaral, craque das artes gráficas, e a assinatura da Halley, imbatível nesse ramo.

A história da autora, em especial, já desperta curiosidade pelo fato de se tratar de uma empreendedora de sucesso.

Desse modo, muitos se interessam em saber o que está por trás de uma pessoa assim – onde nasceu, a família, o meio, o começo e o mundo dos negócios, enfim, a trajetória.

No livro, a autora costura, com a agulha da memória e os fios da sensibilidade, um multicolorido painel de vivências e lembranças que abarcam o período de sua tenra idade à adolescência.

Na Chapada Diamantina

Meu nome é Van é, em resumo, a história de uma menina pobre que nasceu e cresceu na Vila dos Remédios, no lombo da Chapada Diamantina, Bahia, a 835 metros acima do nível do mar.

No final do século XVIII, à procura de ouro, exploradores portugueses se fixaram na região e fundaram o povoado de Remédios, hoje localizado em território do município de Novo Horizonte, cujo nome se deve à crença de que as águas jorrantes da serra tinham propriedades medicinais.

Foi nesse lugarejo isolado que a autora viveu até os 11 anos. Pouco cresceu. Era “pequenina, miudinha, quase nada”, como na canção de Luiz Gonzaga.

No prólogo, ela escreve: “Aos olhos da menina curiosa, tudo parecia grande na pequena Vila dos Remédios. A Igreja de Nossa Senhora comportava o mundo, um mundo feito de rostos e pés de pessoas que eu mal conhecia. Eu me via pequenina em toda parte. Às vezes, eu me perguntava: por que crescer demora tanto? De tão miúda entre coisas grandes, até em minha casa eu me perdia e desaparecia facilmente”.

O nome

A autora já começa instigando o leitor quanto à particularidade de seu nome, que é outro, pouco comum, e foi simplificado para Van.

Ela é de uma numerosa família de 9 filhos. Quando nasceu, o pai já tinha 56 anos e a mãe, 43.

O nascimento já foi um acontecimento no lugar: as duas irmãs mais velhas e o irmão mais velho já eram casados e tinham filhos. A irmã mais nova tinha 8 anos.

Van escreve sua história na forma de um diário, com breves notas ditadas pela memória.

Aí aparecem, com graça, as traquinagens da menina travessa que agitava com suas danações a vidinha mansa da comunidade.

As brincadeiras na chuva, as rodas de ciranda; o brincar de contar estrelas, passar o anel e passar telegrama… A escola. Os medos. Os sonhos. As descobertas do corpo…

É comovente a história de um gato da casa. Velho e paralítico, ele foi levado para muito longe, para morrer na mata.

Passados muitos dias, ele voltou para casa, se arrastando. Contemplou com olhar de despedida o que era seu e morreu, para tristeza da garota.

Aventura

A autora conta também a aventura que foi a sua primeira viagem a Teresina, a passeio, no começo de 1975, quando tinha 11 anos.

Veio em um Fusca da família, enfrentando estradas esburacadas e vomitando mais que urubu novo.

Nessa parte, narra como tomou a decisão, ainda criança, de deixar seu berço querido para morar com os irmãos – Antuniel Fernandes, o Kit, e Irineu Fernandes, dois profissionais do ramo fotográfico que se tornaram prósperos empresários.

Descreve o longo período de adaptação na nova, quente e distante cidade. O cuidado dos irmãos para educá-la e fazer as vezes de pais.

Amizade, deslumbramento e medo

Em suas histórias, renascem figuras do ciclo de amizade dos irmãos que marcaram época em Teresina e já viraram saudade, como o radialista Benjamin Oliveira, um dos fundadores da TV Rádio Clube, e o cronista social Nelito Marques.

Também dá conta de sua primeira viagem à praia e o deslumbramento com o mar.

E conta a aflição e o constrangimento de quando, sem saber, se viu mulher – momento ímpar da condição feminina descrito com talento e poesia pelo cantor Toquinho em sua canção “O Caderno”.

Lições

O livro se encerra com as lembranças do desabrochar para o amor, dos primeiros namoros e da escola de ensino médio. E também a justa homenagem ao professor Clementino Siqueira, que a acolheu com afeto no Pro Campus.

Por fim, a alegria de, quando fez 18 anos, receber sua carteira de idade e conseguir seu primeiro emprego, na loja de um dos irmãos, e se sentir adulta.

No balanço da vida, a autora reconhece que, com mãe, de sabedoria simples e presença constante, aprendeu lições da vida diária.

Com o pai, de espírito firme e determinado, aprendeu o valor do trabalho duro e da persistência.

E muito aprendeu também com os irmãos Kit e Irineu.

O estilo

Van surpreende e impressiona não apenas pela memória privilegiada que recupera e reconstrói momentos marcantes de sua vida – vários alegres; outros nem tanto e uns sofridos – mas, enfim, a vida.

Sua prosa é simples, fluente, cativante. Uma ou outra imprecisão nem de longe compromete a essência da obra.

A autora constrói relatos autênticos, quase sem filtro, e por isso transmite autenticidade ao descrever seus instantes de luta interna, os aprendizados saídos de situações inesperadas e as vezes que teve que se levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima.

O livro mostra que as ciladas que acontecem na vida de cada um não escolhem tempo nem idade.

Trilogia

Van já definiu que sua história será contada em uma trilogia. A primeira é essa que compreende a fase da infância à adolescência.

“Cada página guarda um pouco de mim, das emoções que vivi e de como, passo a passo, fui construindo meu caminho longe das certezas da infância”, escreve, na apresentação.

Aguardemos o segundo e o terceiro volumes. Todos temos a aprender com a história – ou as histórias – da garotinha que no lugarejo de seu nascimento já sabia negociar e que se fez grande no mundo dos negócios e também inspiração para a vida.

Van Fernandes no lançamento do livro em escola de sua terra natal/Imagem: Péricles Mendel

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