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No Brasil, radicalização vem de longe

Dom Pedro II, um estadista de seu tempo, anoiteceu imperador e amanheceu sem a coroa, com a ordem de deixar imediatamente a terra que tanto amava.

Assim, a República brasileira nascia de um golpe. Portanto, de um ato de violência.

E eles se multiplicaram a perder a conta até os dias atuais, mesclados por renúncias, assassinato, suicídio, impeachment, prisões e atentados.

O primeiro presidente republicano, o marechal Deodoro da Fonseca, quase não esquenta a cadeira presidencial.

Ele governou por apenas dois anos e foi obrigado a renunciar, em meio a uma grave crise política e econômica.

O marechal-presidente não conseguiu contornar problemas criados pelo seu próprio governo, como a centralização do poder, o fechamento do Congresso Nacional, a censura e outros atos de autoritarismo.

Sua queda foi tramada pelo vice-presidente Floriano Peixoto, outro marechal.

Ou seja, aqui se faz aqui se paga, pois Deodoro era homem da confiança do imperador deposto e foi um dos cabeças do golpe de 1889.

Na presidência, Floriano foi implacável com os adversários e governou com a espada na mão. Entrou para a história como o “marechal de ferro”.

Estado de sítio e golpe

As tensões na política republicana continuaram e, mais adiante, na década de 1920, o presidente Artur Bernardes tirou quase todo o seu mandato com a decretação do estado de sítio.

As convulsões não acabaram e Getúlio Vargas, derrotado nas urnas nas eleições de 1930, assumiu o poder pelas armas.

Ele encabeçou a Revolução de 30, na qual depôs o presidente Washington Luís.

Ah, na campanha presidencial de 30, foi assassinado no centro de Recife o governador da Paraíba, João Pessoa, candidato a vice de Getúlio.

Queda e ressurreição

No governo, Getúlio Vargas fez reformas radicais e semeou mais instabilidade.

Deu um novo golpe, fechou o Congresso e ficou no poder até 1945, quando foi deposto.

O ex-ditador se recolheu à sua fazenda no Rio Grande do Sul e o Brasil realizou eleições gerais.

Mas Getúlio ficou quieto em seu canto por pouco tempo. Voltou à cena política no pleito seguinte, como candidato a presidente.

Na praça pública, a barulhenta UDN, pela voz de Carlos Lacerda, orador brilhante e golpista nato, avisava aos navegantes, com endereço certo para o ex-presidente:

“O sr. Getúlio Vargas não deve ser candidato à Presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”.

No retorno ao poder, agora pelo voto popular e nos braços do povo, Getúlio mergulha em nova crise e ele decide resolver o problema dando um tiro no coração, em 24 de agosto de 1954.

O recomeço atribulado

Com o país enlutado e em pé de guerra, faz-se a eleição presidencial de 1955.

E o recado da UDN que valia para Getúlio valia também para Juscelino Kubitschek, o candidato favorito à presidência.

JK se elege e o marechal Lott, ministro da Guerra, tem que aplicar um golpe para garantir a sua posse.

Juscelino tira o mandato a duras penas, insere o Brasil na modernidade e entrega o país ao sucessor, Jânio Quadros, um opositor ferrenho.

Este não consegue se equilibrar nas próprias pernas e renuncia ao mandato com apenas sete meses de governo, em 25 de agosto de 1961.

O vice-presidente João Goulart move céus e terra para assumir a presidência, o que só consegue depois de aceitar a redução de seu poder com a implantação do parlamentarismo.

O presidente governa na corda bamba, com o país em permanente e crescente agitação política, até que em 31 de março de 1964 dá-se o golpe militar que afundou o Brasil em 21 anos de trevas.

A agonia de 64

Tomando o poder de assalto, a chamada revolução passa a devorar seus próprios filhos. Os generais comiam o fígado um do outro.

O marechal Castelo Branco, o primeiro presidente militar, estava em desgraça com o sucessor, o linha-dura Costa e Silva, quando morreu em um acidente aéreo perto de Fortaleza.

Costa e Silva, autor do AI-5, o mais violento e mais amplo dos Atos Institucionais da ditadura, não completou o governo em função de sofrer um AVC que o paralisou.

O regime improvisou uma Junta Militar, composta pelos ministros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, para governar o país.

Mais adiante, em 1977, o presidente Geisel exonerou às pressas o ministro do Exército, general Silvio Frota, que estava querendo antecipadamente a sua cadeira e, para tanto, tramava nos quarteis.

O último dos presidentes militares, João Figueiredo, enfrentou sucessivas crises, como os atentados terroristas.

Cassações, exílio, cadeia e cova

Em todo este período, ou seja, de 1964 a 1985, os eleitos como inimigos do regime ou tinham os mandatos cassados ou iam para a cadeia, o exílio ou a sepultura.

JK, o mais tolerante dos presidentes, foi um deles e amargou todos estes estágios.

Não custa lembrar que as esquerdas agiam e reagiam também com atos de extrema violência: assaltos, atentados, assassinatos e outros crimes.

Ou seja, jogavam com as mesmas armas. E mais estrago não fizeram porque não dispunham de munição nem de armas para tanto. Nem de braços.

Na redemocratização, mais lenha na fogueira

No chamado período da redemocratização, iniciado em 1988, com a promulgação da nova Constituição, a política do Brasil não deixou de ser agitada nem violenta.

Dois presidentes eleitos pelo voto popular sofreram impeachment – Collor, em 1992, e Dilma, em 2016.

Outro, Michel Temer, balançou, mas não caiu. Escapuliu matreiramente de uma trama armada contra ele pelo procurador-geral da República e a Rede Globo.

Ao deixar a presidência, acabou sendo arbitrariamente preso.

O mesmo destino teve o ex-presidente Lula, engaiolado para não participar das eleições de 2018, nas quais despontava como favorito.

Um adendo: para chegar à presidência, em 2002, Lula teve que repaginar sua biografia. Apresentou-se como “Lulinha paz e amor”.

Isso porque até então era um radical assumido, apoiado por um partido xiita e movimentos sociais que jogavam pesado.

Outro adendo: na campanha eleitoral de 2018, o candidato Jair Bolsonaro, que fazia campanha com faca nos dentes, foi esfaqueado a três semanas do pleito. Escapou milagrosamente.

Até hoje o atentado contra ele não foi devidamente esclarecido.

Que país é este?

O Brasil volta às urnas em 2022 em clima de completa radicalização.

Como se vê, porém, isso não é novidade na política nacional. Não é, não foi nem será.

O país tem uma vocação incorrigível para a autofagia. Por isso, empurra para a cabeça da lista dos presidenciáveis dois políticos de espírito beligerante – Bolsonaro e Lula.

Cada qual, ao seu modo, luta como pode e com as armas que tem para destruir um ao outro.

E um terceiro, Ciro Gomes, fica lambendo os beiços para tomar a vaga de um deles. Credenciais para tanto não lhe faltam.

Como ensinava o maestro Tom Jobim, o Brasil não é para principiantes.

Nem para pacifistas, acrescento.

Imagem/Reprodução: jota com

1 Comment

  1. Belíssima anamnese histórico-política, meu amigo! Parabéns!

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