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A medicina perde um humanista

Este texto está entre as páginas 23 a 25 de meu livro “Pulando Nuvens”, sobre meu filho Daniel, que voou para a eternidade em 7 de julho de 2014, aos 21 anos, em um acidente. O livro foi publicado dois anos depois, na formatura de sua turma (Arquitetura e Urbanismo):

Uma vez, apenas, adoeceu gravemente. Ainda não tinha um ano completo. Ele estava em Esperantina – a 190 quilômetros de Teresina –, na casa da avó, com sua mãe, nas férias do começo do ano.

Em uma noite de janeiro ou fevereiro, ele teve febre, uma febre muito alta. Chovia torrencialmente, e ele ficou sendo cuidado em casa mesmo. Sua mãe levantou-se no começo da madrugada para examiná-lo. O bebê estava frio e ficando roxo. Ela alarmou-se e cuidou de levá-lo imediatamente para o hospital, com o auxílio de sua prima Núbia e do marido dela, que eram vizinhos.

Sua ideia era que a criança fosse atendida pelo Dr. Almir Rebêlo, médico muito conceituado e bastante requisitado pela população local. Mas ele não estava no hospital. Não era seu plantão. Ignorando a hora e a chuva, ela decidiu, então, procurá-lo em sua casa.

Eram 3 horas da manhã quando bateram à sua porta, em desespero, com o bebê embrulhado em edredom dentro do carro. Ele as orientou a retornarem para o hospital que iria para lá em seguida. Chegou quase junto com elas. Fez os primeiros atendimentos, deu um banho de álcool na criança, aplicou-lhe uma injeção e a encaminhou para Teresina, na ambulância do Hospital Estadual Dr. Júlio Hartman. O médico avaliou que o caso era grave e que o hospital local não oferecia as condições adequadas para o atendimento. A suposição era a de que o menino tivera convulsão.

O Daniel veio dormindo de Esperantina até José de Freitas, quase 150 quilômetros. Já estava amanhecendo quando ele despertou. A ambulância chegou a Teresina 40 minutos depois. Eu os aguardava no Hospital Infantil França Filho (hoje desativado e sede da Secretaria de Segurança, ali no bairro Piçarra), para ser atendido pelo Dr. Messias Melo, pediatra dos meus filhos mais velhos.

Ao me ver, na porta do hospital, aproximando-me da ambulância, o Daniel agitou os bracinhos para mim.

O Dr. Messias prontamente o examinou, com a paciência e o cuidado dos velhos e sábios médicos. Com a medicação ministrada pelo Dr. Almir, em Esperantina, a febre havia cedido. O menino estava aparentemente bem. Foi feita uma bateria de exames, inclusive neurológicos, e confirmou-se que a convulsão – ou princípio de convulsão – não havia deixado qualquer sequela.

A recuperação foi rápida. O susto passou logo. O que não passou foi nossa gratidão ao Dr. Almir. Incomodado em sua casa, fora de seu plantão no hospital e fora de hora, ele cumpriu à risca o Juramento de Hipócrates e socorreu nosso bebê.

Desde então, em sinal de consideração, afeto e gratidão, sempre que lanço um livro, mando um exemplar autografado para ele. É como tento simbolicamente retribuir sua presteza, seu profissionalismo e, sobretudo, sua pronta solidariedade naquela noite de grande aflição para nós.

Deus lhe pague, Dr. Almir!

Hoje cedo (20/03), recebi a triste notícia do falecimento do Dr. Almir Rebêlo, através de mensagem do amigo e acadêmico Magno Pires, primo dele.

O Piauí perde um médico humanista e caridoso, inteiramente devotado ao seu município, Esperantina, onde passou toda a sua vida profissional cuidando com zelo de seus pacientes. Dos pobres nada cobrava e muitas vezes ainda dava o remédio prescrito.

A sua partida enluta a família, seus amigos e seus pacientes. E me comove também, profundamente. Vou guardá-lo sempre no coração, com imensa gratidão.

Que a alma do Dr. Almir descanse em paz!

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