
Comunicação, Política e Fake News
4 de maio de 2025Os que acompanham de fora a vida das instituições desconhecem, muitas vezes, a movimentação de seus bastidores, o que é natural.
Assim, muitos estranharam, por exemplo, quando a arqueóloga Niéde Guidon ingressou na Academia Piauiense de Letras (APL), em 2020.
A surpresa se deu, em primeiro lugar, porque ela não era reconhecida como uma literata, no sentido literal do termo.
Mas isso foi compreendido, pois as academias de letras abrigam inteligências dotadas de outros saberes que não o estritamente literário.
A segunda surpresa se dava porque ela já estava em idade avançada (86 anos) e enfrentava problemas de saúde agravados por uma dengue implacável.
Um sonho
Isso não foi problema para os que sonhavam com a presença da arqueóloga na APL: o historiador Fonseca Neto e eu, então vice-presidente da Academia.
À época, tínhamos que preencher a Cadeira 24, vaga com o falecimento do acadêmico Paulo Freitas, nosso ex-presidente.
Levamos a ideia para o presidente Nelson Nery, que a ela não se opôs. E saímos a consultar outros acadêmicos, que receberam a ideia com simpatia.
Quando avaliamos que havia quórum para a eleição de Niéde Guidon, fizemos o convite à arqueóloga, que também se mostrou simpática à ideia.
Como não entendia bem o processo, a Dra. Niéde demorou um pouco a mandar seu pedido de inscrição.
Quando ele chegou, o advogado Moisés Reis já estava inscrito como candidato.
O presidente Nelson Nery incumbiu a mim e ao acadêmico Magno Pires de conversar com o Dr. Moisés e sugerir a sua renúncia à candidatura, a fim de abrir passagem para a Dra. Niede.
Moisés Reis, benquisto na Academia e entendendo a situação, fez valer seu espírito de grandeza e encaminhou imediatamente o pedido de renúncia.
Assim, Niéde Guidon foi eleita em 5 de outubro de 2019. Fui eleito presidente da APL em dezembro do mesmo ano.
A posse
Devido ao recesso acadêmico, programamos a posse dela para março de 2020, no transcurso de seu aniversário.
Justamente quando estávamos nos preparativos, explodiu a terrível onda da Covid-19. E só conseguimos empossá-la em 27 de novembro de 2020.
E Niède Guidon chegou à Academia inovando. Ela foi a primeira acadêmica da história da APL a tomar posse em sessão solene realizada através de plataforma virtual, com transmissão ao vivo e aberta pelo Canal da TV Nestante no YouTube.
O discurso de saudação foi pronunciado pelo acadêmico Nelson Nery e o diploma foi entregue por mim simbolicamente.
Apenas em 23 janeiro de 2023, quando instalamos solenemente a Academia em São Raimundo Nonato, foi possível entregar o diploma pessoalmente à Dra. Niéde.
Fizemos a sessão em São Raimundo Nonato, através do Projeto APL Itinerante, para celebrar os 50 anos de pesquisas arqueológicas na Serra da Capivara.
Por problemas de saúde, a Dra. Niède não pode comparecer à sessão e fomos à sua residência, no Museu do Homem Americano, para fazer a entrega do diploma.
Fizeram parte da comissão que visitou Niède o presidente da APL, o 1º secretário Fonseca Neto e os acadêmicos Oton Lustosa e Plínio da Silva Macêdo, este filho de São Raimundo Nonato.
Fomos recebidos com muita simpatia por ela. E ali presidi um dos momentos mais relevantes de minha passagem pela presidência da APL – o coroamento da homenagem da Academia à grande mulher que revolucionou as pesquisas arqueológicas e incluiu o Piauí no mapa mundi.
Quem era
Niède Guidon era formada em História Natural pela Universidade de São Paulo, com doutorado em pré-história pela Sorbonne e especialização na Université de Paris.
Suas descobertas revolucionárias na área da arqueologia resultaram na criação do Parque Nacional da Serra da Capivara, que possui a maior e mais antiga concentração de sítios pré-históricos da América.
Pelo seu valor histórico e cultural, o parque foi declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco.
Ela criou o Museu do Homem Americano e o Museu da Natureza.
Bibliografia
Além de inúmeros artigos científicos e textos para livros, revistas e jornais do mundo inteiro, é autora dos livros Peintures préhistoriques du Brésil, publicado em 1991, pela I’imprimerie Hérissey – Évreux da França; A água e o berço do homem americano; Fundação Museu do Homem Americano, 2011; Os biomas e as sociedades humanas na pré-história da região do Parque Nacional Serra da Capivara, Brasil (em parceira com Anne-Marie Pessis e Gabriela Martin). São Paulo, A&C Comunicação, 2014.
Ninguém deu mais visibilidade nacional e internacional ao Piauí que a Dra. Niède Guidon, ao descobrir e mostrar ao mundo as riquezas da Serra da Capivara, causa a que ela dedicou toda a sua vida.
Sua partida, hoje, aos 92 anos, representa uma grande perda não apenas para o Piauí, o Brasil e a ciência, mas para a humanidade.


