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6 de outubro de 2024Era uma vez, um menino que deitava embaixo da jaqueira do terreiro de sua casa para pastorar nuvens, na pequena propriedade rural de seus pais, um lugar perdido no sertão nordestino.
Foi nessa fazendinha, longe de tudo e de todos, sem luz elétrica e sem estrada, que ele nasceu, em 1932, o ano da publicação dos romances Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, e Menino de engenho, de José Lins do Rego.
Ainda não tinha 5 anos quando entendeu de correr para a jaqueira, deitar à sua sombra e por lá passar horas descobrindo animais no céu.
As nuvens iam se enovelando, brancas e enormes como elefantes; de repente, tinham cara de boi e logo viravam outros bichos, até que lá vinha um cavalo alado, o menino montava nele e voava, sumindo no infinito…
Seguindo a nuvem
Já grandinho, o menino resolveu seguir a nuvem do seu destino. A primeira parada foi na cidade, em 1944, para internar-se no seminário.
O tempo passou, corria o ano de 1950 e, perto da ordenação, começou o pesadelo: cada dia querendo mais ser padre e cada dia com mais medo de ser padre.
Seu coração foi partido ao meio quando seus olhos se cruzaram na igreja com os de uma noviça.
O inesperado e fulminante amor falou mais alto e ele desistiu da batina.
Papa que não foi padre
O menino desta história é Sebastião – Sebastião Augusto de Souza Nery, nascido em Jaguaquara, a 350 quilômetros de Salvador, na Bahia.
O ex-seminarista com nome de bispo que não chegou a ser padre faleceu na madrugada de segunda-feira (23/09), aos 92 anos, no Rio de Janeiro, como um dos papas do jornalismo brasileiro.
Formado em Filosofia e Direito, foi ainda professor, político e escritor. Começou na imprensa em 1954, em Belo Horizonte.
Em 70 anos de intensa atividade no jornalismo, conviveu com as principais personalidades da política brasileira contemporânea, a partir de Juscelino Kubitschek, cuja campanha presidencial cobriu em 1955.
Também produziu painéis irretocáveis da política nacional.
Mandatos por três Estados
Nery foi também um militante político. Conquistou mandatos parlamentares em três Estados.
Ainda acadêmico de Direito, elegeu-se vereador de Belo Horizonte pelo PSB. Sua candidatura foi impugnada pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, que alegou que ele representava o então clandestino PCB (Partido Comunista Brasileiro).
Em 1962, foi eleito deputado estadual pela Bahia, filiado ao MTR (Movimento Trabalhista Renovador). Teve o mandato cassado pelo regime militar de 1964.
Com a Redemocratização, elegeu-se deputado federal pelo Rio de Janeiro, no palanque de Leonel Brizola e do PDT, que ajudou a fundar.
Foi adido cultural do Brasil em Roma e em Paris.
Na imprensa
Depois de trabalhar em jornais de Minas e da Bahia, Sebastião Nery se transferiu para o Rio de Janeiro, onde atuou no Diário Carioca, TV Globo, Tribuna da Imprensa e Correio da Manhã.
A partir de 1975, passou a assinar a coluna Contraponto, uma das mais lidas da Folha de S. Paulo.
Nela, destacou-se por contar bastidores e casos folclóricos da política brasileira. Permaneceu no jornal até 1983.
Na mesma época, também atuou em um programa de análises políticas na TV Bandeirantes e publicou os quatro livros da série Folclore Político, com crônicas e histórias da política nacional.
Escreveu na Tribuna da Imprensa, de Hélio Fernandes, uma coluna política reproduzida diariamente em mais de 30 jornais de todos os Estados Brasileiros.
Os livros
Em sua trajetória como jornalista, escreveu livros como “Sepulcro caiado: o verdadeiro Juraci”, “Socialismo com liberdade”, “16 derrotas que abalaram o Brasil”, “A história da vitória: porque Collor ganhou” e “A eleição da reeleição”.
Em 2010, recontou a sua trajetória no livro “A Nuvem”, lançado pela Geração Editorial.
Quatro anos depois, lançou o livro “Ninguém me contou, eu vi”, com histórias de seis décadas da política brasileira, entre os governos Getúlio Vargas e Dilma Rousseff.
A nova cara da nuvem
Nery estava com a saúde debilitada havia cerca de quatro meses e faleceu de causas naturais. Era viúvo e deixa três filhos: Jacques, Sebastião e Ana Rita.
Em seus primeiros livros, escreveu que não tinha vindo ao mundo a passeio, mas a serviço.
Em seu livro autobiográfico, Sebastião Nery conta que foi para onde sua nuvem o levou.
Desta vez, ela o carregou para o desconhecido, e não aparecerá mais nas formas dos bichos de sua infância.
Os que tiveram o privilégio de conviver com ele, como eu, agora só poderão encontrar essa nuvem fugidia na forma de saudade.