O que é isso, companheiro Lula?
19 de dezembro de 2022
O PL das “Fake News”
15 de maio de 2023
Exibir Tudo

Uma breve história de Rufino Damásio

Rufino Damásio, em foto de 2017.

O Piauí se despede, hoje (15/03), de um de seus maiores empreendedores dos últimos 50 anos: Rufino Damásio da Silva, o Damásio.

Sua história é a história dos que se fizeram grandes: um matuto saído da roça, “sem dinheiro no bolso e sem parentes importantes”, como na canção de Belchior, para buscar meio de vida na capital, e que acabou construindo um império econômico, o Grupo R. Damásio, que se espalha por vários estados brasileiros e ostenta o título de maior importador de peças para motocicleta da América Latina.

Damásio faleceu ontem (14/03), aos 78 anos, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, de causas naturais.

Seu corpo está sendo velado até às 16h na sede da matriz do Grupo R. Ramásio, na Rua Riachuelo, 255, Centro de Teresina, de onde sairá o cortejo para o sepultamento.  

O começo

Trabalhei por 16 anos no Grupo R. Damásio, a partir do ano 2.000, como editor-chefe do jornal Diário do Povo, uma das empresas do conglomerado.

Nesse período, pude observar em seu presidente gestos e atitudes que não se encontram nos manuais de management e que são próprios apenas dos grandes líderes.

Vamos ao começo de sua história no mundo dos negócios, a partir de reportagens publicadas em edição especial da revista Motomagazine, em 2017, nos 50 anos da R. Damásio, e pelo jornal Valor Econômico, no ano seguinte.

Essa história começa em 1967, em uma pequena loja de peças para bicicletas ocupando um ponto alugado de 12 metros quadrados.

A modesta loja deu origem, nas décadas seguintes, a outras empresas que, juntas, totalizavam, em 2017, uma área de 76.820 metros quadrados só de estoque.

Ou seja, 6.401 vezes maior do que a sua primeira e acanhada loja. E com o detalhe de que toda essa mercadoria foi abrigada em prédios construídos seguindo projetos arquitetônicos modernos, arrojados e arejados.

A expansão

A modesta loja de peças para bicicletas virou um conglomerado empresarial que atua nos ramos hoteleiro, moteleiro, imobiliário, industrial e de motopeças.

No cinquentenário do grupo, eram 13 empresas instaladas nos estados do Piauí, Ceará e Maranhão, com negócios em todos os estados do país e com a China.

O grupo piauiense é hoje o maior importador de peças para motocicletas da América Latina.

As aparências enganam

O construtor desse império se destacou por ser um homem simples, que se recusava a calçar sapatos e a abrir mão de seu bermudão e dos chinelões.

Na aparência, passaria fácil por mais um dos tantos nordestinos que não saíram da linha da pobreza.

De alfabetização tardia, a muito custo fez o curso de Técnico em Contabilidade, já em Teresina, e deixou pela metade o curso superior em Turismo.

Com um curso de espanhol voltado para os negócios e muita vontade de aprender, ele andou por mais de 60 países.

Com intuição altamente apurada, objetivo, raciocínio rápido, perguntador, muita coragem e determinação, desenvolveu uma lógica própria de ver o mundo e os negócios.

A mão invisível do acaso

Dos 50 anos da fundação da empresa R. Damásio, comemorados em 2 de janeiro de 2017, os primeiros 22 anos foram dedicados exclusivamente à venda de peças para bicicletas. E tudo começou quase que por acaso.

Damásio tinha deixado a casa dos seus pais, no hoje município de São Miguel da Baixa Grande, na região de Valença do Piauí, para tentar a sorte na capital.

Em Teresina, foi ajudante de pedreiro, serviu o Exército e, depois que deixou o quartel, se tornou cobrador da Rádio Clube de Teresina, uma das três emissoras da cidade.

O pouco que recebia de comissão por suas cobranças guardava para realizar o sonho de montar um estabelecimento comercial para si e também para ter condição de puxar para a cidade os irmãos mais novos que tinham ficado na roça.

Mas qual o comércio seria o ideal? Um dia, cobrando a propaganda de uma empresa de motopeças, surgiu a oportunidade. O comerciante tinha tentando ampliar seus negócios vendendo peças para bicicletas. Não deu certo! Pagou o comercial na rádio com o resto das peças para bicicletas que tinha no estoque.

Damásio ficou com as peças, pagou a rádio e abriu a sua primeira empresa, com um capital que nos dias de hoje equivaleria a R$ 1.500,00 ou 500 dólares. Esse pouco dinheiro era uma fábula para ele!

Com o tempo, depois de se firmar no varejo, Damásio pôs mais uma etapa de seu plano em execução e começou a puxar alguns de seus parentes para se mudarem para a capital.

A ideia era a de que repetissem seu feito: abrir uma loja de peças. Ele mesmo forneceria as mercadorias.

No convite, firmava um compromisso: até todo o estoque ser pago, o novo lojista só poderia comprar dele. Fez isso com muitos parentes. E estava nascendo ali a sua primeira experiência como atacadista.

Outra característica sua: desde a fundação da primeira empresa, a prioridade foi para contratar pessoas vindas de sua terra natal.

Saindo do Piauí

Já no início da década de 80, entendeu que era preciso dar o passo seguinte.

Atravessou, então, o Rio Parnaíba e foi buscar clientes fora do Piauí. As primeiras viagens foram para o interior do Maranhão e do Pará, pilotando um Fiat 147 recém-lançado no mercado. Damásio fez os primeiros clientes pessoalmente.

Depois, avançou para os estados do Ceará e Pernambuco. E não parou mais.

Hoje as empresas do Grupo R. Damásio atendem clientes em todos os estados do Brasil, com negócios, inclusive, em cidades fronteiriças onde a entrega das mercadorias só se faz de barco ou até mesmo de avião.

Ganhando o mundo

Em 1992, foi dado um novo salto, com a abertura do mercado brasileiro para as importações, no Governo Collor.

Até ali, o mercado era quase que uma exclusividade da indústria nacional. Havia muitas barreiras para quem desejasse importar. De toda ordem.

Com o mercado internacional finalmente aberto, Damásio atravessou os oceanos em busca de novos produtos, novos fornecedores e preços competitivos.

Em pouco tempo, já estava importando de países como Argentina, Alemanha, Espanha, Itália, Índia, Taiwan, Japão, China e da antiga Tchecoslováquia.

De lá para cá, esse intercâmbio comercial de seu grupo com o exterior só tem crescido.

Negócio da China

A partir do ano de 1999, com a estabilidade econômica advinda do Plano Real, a R. Damásio decidiu investir no ramo de motopeças.

Depois de visitar em São Paulo o Salão Internacional de Motocicletas (SIM), realizado no começo de 1999, e perceber que o negócio era viável, o empresário partiu para China aproveitando a experiência exitosa que já acumulava na importação de peças para bicicletas.

Precisava encontrar na Ásia fábricas que estivessem dispostas a investir em moldes de novos produtos que fossem compatíveis com as motocicletas usadas no mercado brasileiro.

Tratou de montar e equipar um escritório na China que trabalhasse exclusivamente para os interesses de seu grupo de empresas.

Fundado em Qingdao, na província de Shandong, onde desde então se encontra a pleno vapor, o escritório chinês é o responsável pelo desenvolvimento de produtos, acompanhamento de qualidade e embarques.

Os produtos saem do Porto de Shanghai, atravessam 13.847 milhas náuticas (aproximadamente 25.000 Km) de oceano e chegam ao Brasil através do Porto do Pecém, na Grande Fortaleza, no Ceará.

De lá, são transportados para a CPL Import, importadora do Grupo R. Damásio que fica instalada em uma megaestrutura que ocupa 30.000 metros quadrados de área coberta na cidade do Tianguá, na Serra da Ibiapaba, divisa natural dos estados do Ceará e Piauí.

Fica a 319 quilômetros de Fortaleza e a meio caminho de Teresina, onde está situada a sede administrativa do Grupo R. Damasio.

Tudo isso envolve uma mega e fantástica operação logística.

É a CPL Iimport que abastece, além de grandes clientes Brasil afora, as seis distribuidoras do Grupo R. Damásio situadas nos estados do Piauí (R. Damásio, Motobike e TD do Piauí Ltda.), do Maranhão (Maranhão Distribuidora de Motopeças e TD do Maranhão Ltda.) e do Ceará (RD Distribuidora de Motopeças).

Estoque

Damásio sempre teve uma verdadeira obsessão por casa cheia. Uma de suas leis é que o melhor lugar para o capital de um comerciante estar é em seu estoque.

Por ter sido sempre assim, afirmava de boca cheia e sem disfarçar o orgulho que sua importadora e suas 6 distribuidoras de motopeças davam conta de abastecer, sozinhas, o mercado brasileiro, da América do Sul e da América Central.

“Minha mercadoria não apodrece, e uma hora ou outra os concorrentes podem ficar desabastecidos e eu tenho mais essa chance de servir à minha clientela”, justificava ele, com um sorriso no rosto e os pequenos olhos brilhando.

As “Leis Damásio”

Ao longo do tempo, como já antecipado, Damásio criou suas próprias leis para os negócios.

Suas máximas estão espalhadas em placas coladas nas paredes de suas empresas.

Dentre elas, estão: “Chefe bom não presta”, “O homem que confia não merece confiança”, “Os ignorantes têm problemas. Os sábios têm soluções” e “Humildade é um a chave que abre todas as portas”.

Mas, explicando esta última máxima, ele adverte que não se deve confundir humildade com subserviência.

Outra lei que criou pra si, e cumpriu a ferro e fogo: “Só compro fiado amanhã.”

Diferente do ditado popular original (“Fiado só amanhã”), exibido em placas e inscrições nas paredes de pequenos estabelecimentos comerciais, Damásio é que se impôs o capricho que toma como ponto de honra de não comprar fiado.

Ele contava que sofreu muito no início de sua vida de comerciante por não ter capital.

Assim, perdeu muitas noites de sono pensando em como honrar seus compromissos financeiros. 

Jurou para si que se, após 10 anos da abertura de seu negócio, não tivesse condições de comprar somente à vista, iria desistir do comércio e procurar outro rumo para sua vida.

Na sua filosofia de homem sertanejo, promessa é e sempre foi dívida.

Então, no dia 2 de janeiro de 1977, exatamente 10 anos depois de iniciar sua atividade comercial, reuniu os quatro funcionários que tinha e fez uma pequena celebração.

Dali em diante, só comprava à vista. Quando não, pagava antecipado! Tem sido rigorosamente assim nos últimos 45 anos. Seja a compra pequena ou grande!

Esta medida não vale apenas para as empresas de motopeças. Elas vigoram para todas as empresas do Grupo R. Damásio.

A sucessão

Damásio tem 7 filhos. E a mesma disciplina que impôs a seus negócios fez vigorar em casa para encaminhar os filhos na direção dos estudos e do trabalho.

Quatro deles formaram-se em medicina e instalaram um Hospital Dia em Teresina, o Hospital Lucano, especializado na saúde do homem e da mulher.

Dois outros filhos formaram-se em direito e o mais novo é engenheiro.

Os três últimos abraçaram as atividades empresariais do pai e deram partida na expansão do Grupo R. Damásio, com a criação de novas empresas no setor de peças e também em outras áreas, como motelaria, hotelaria, imobiliária e indústria gráfica.

O Grupo R. Damásio construiu os dois motéis mais luxuosos da cidade: o Garden, inaugurado em 1999, e o Afrodite, aberto em 2003.

No ano de 2001, Damásio inaugurou o Metropolitan Hotel, na Avenida Frei Serafim.

Desde então, todo ano, o seu hotel é eleito pelo Guia 4 Rodas como o melhor do Piauí e um dos melhores do país.

Não é sem razão que os presidentes da República, grandes estrelas do mundo da música, como Roberto Carlos e Ivete Sangalo, dentre outros, além ministros e grandes executivos, o adotaram como sua casa quando visitam Teresina e região.

No ramo imobiliário, o Grupo R. Damásio estendeu seus braços pelos estados do Piauí, Ceará, Maranhão, Distrito Federal, Minas Gerais e São Paulo.

O futuro

Quando fez 70 anos, o empresário passou o comando do Grupo R. Damásio aos seus filhos Danilo Damásio, Damásio Filho e Tiago Damásio.

O grupo anda a passos firmes e largos, fiel ao lema que inspirou os passos de seu fundador: “Qualidade e credibilidade”.

Dessa forma, mantém a pressa e a determinação para otimizar processos, reduzir custos, ganhar mercados e abrir novas frentes de negócios.

Nos últimos anos, muito foi investido em tecnologia de informação, treinamentos, melhorias de qualidade de produtos e em logística.

Hoje, as empresas de motopeças do Grupo R. Damásio possuem a tabela mais completa do país, com mais de 20.000 itens. E também são as empresas que mais lançam produtos no mercado.

Enxuto, moderno e ágil, o Grupo R. Damásio se encontra preparado para os novos desafios e, assim, levar adiante o sonho e a vocação de seu fundador de empreender sempre, sem esquecer a chave que, segundo Damásio, abre todas as portas: a humildade!

Esta é, em resumo, a breve história de Rufino Damásio da Silva, um exemplo de obstinação e inteliegência. Ele superou todas as limitações pessoais e as dificuldades do meio e se fez grande, um dos maiores de sua geração.

Cidadão do mundo, andou por mais de 60 países. Jamais, porém, abandonou suas origens nem sua simplicidade.

Que sua alma descanse em paz, ao encerrar a jornada na terra. E que a família e os amigos encontrem conforto espiritual para enfrentar este momento de despedida!

2 Comments

  1. CARLOS ANTONIO GUEDES DE MEDEIROS disse:

    Sem dúvida alguma, foi um investidor arrojado. Sou testemunha da assistência que deu a irmãos e sobrinhos para estudarem e vencer a linha da pobreza. Não se envolveu com política, os políticos é que o procuravam para reforçar seus caixas. Apenas uma vez cheguei a encontra-lo na casa de praia de um dos irmãos na Praia do Janga, município de Paulista (PE). A educação que deu aos três filhos, com certeza hão de conduzir o conglomerado.

  2. Henrique sales de moura disse:

    Um texto de gratidão e escrito enfatizando o homem que era e não o que ele possuía. Todos os portais de teresina só se referia como homem rico, um dos mais ricos, entre os 3 mais ricos do Piauí. Referências de extrema deselegância com o luto familiar. Para quem teve um grande pai como exemplo familiar, isso fere muito, principalmente Sr.Damasio, que sempre
    Viveu fora dos holofotes e firulagens que a sociedade tanto gosta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *