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Queda do governador Mão Santa faz 20 anos

Nos jardins do Karnak, o governador tentou resistir à cassação com o apoio popular. Imagem: Francisco Gilásio/DP

Aquele 6 de novembro de 2001 chegava com uma manhã ensolarada, sem o menor sinal de mudanças climáticas e muito menos na rotina política e administrativa do Piauí.

Cinco dias antes, no dia 1º de novembro, uma quinta-feira, véspera do feriado do Dia de Finados, o Palácio de Karnak recebeu a informação de Brasília de que o processo de cassação do mandato do governador Mão Santa seria julgado na terça-feira, dia 6.

Mão Santa estava no interior do Estado, em mais uma de suas incontáveis maratonas de viagens que fazia aos municípios, e não tomou conhecimento do aviso.

Ele só soube do comunicado na segunda-feira, dia 5, e viajou a Brasília no dia seguinte, com o irmão Paulo de Tarso Moraes Souza, secretário de Fazenda, e o vice-governador Osmar Júnior (PCdoB), para acompanhar de perto o julgamento do processo.

Na viagem de Teresina a Brasília, o deputado federal João Henrique Sousa, correligionário de Mão Santa (e que seria nomeado ministro dos Transportes no começo de 2002), vaticinava sobre o resultado do julgamento no TSE:

– A possibilidade de o governador ser cassado hoje é a mesma deste avião cair neste voo.

O palpite de João Henrique estava errado: por volta das 21h30, o relator do processo no TSE, ministro Nelson Jobim, proferia o seu voto e nele pedia a cassação dos mandatos do governador e de seu vice.

Pouco depois, o TSE tomava, por unanimidade (7 votos a zero), a decisão histórica de, pela primeira vez, cassar o mandato de um governador brasileiro eleito pelo voto popular.

A repercussão

No Piauí, a imprensa registrava o fato no dia seguinte como uma bomba de conteúdo político tão potente quanto a implosão das torres gêmeas, em Nova Iorque, ocorrida menos de dois meses antes.

Já na manhã do dia 7, o caos estava estabelecido nos meios políticos e administrativos do Estado. Nas repartições públicas, ninguém mais se entendia.

As emissoras de rádio e televisão, diante do ineditismo do fato, faziam uma cobertura excitada e caótica do episódio, com mais palpites do que informações.

Os jornais impressos também estavam tontos, contudo, dispunham de mais tempo para apurar os fatos e encontrar o fio da meada. Eu era editor-chefe do Diário do Povo.

Grupos de secretários e políticos se deslocavam à casa do governador para prestar solidariedade a dona Adalgisa, a primeira-dama, que comandava com discrição e pulso firme uma banda do governo.

No Senado, Hugo Napoleão fazia o discurso de despedida. Ele recebeu apartes de vários colegas, porém, o que mais repercutiu no Piauí foi o do senador Alberto Silva, presidente regional do PMDB.

Ao invés de se solidarizar com o governador cassado, ele não apenas desejava boa sorte ao novo governante, como se oferecia para colaborar com o seu governo na condição de engenheiro.

Mudança de rota

No dia 8, através de um recurso apresentado ao Tribunal Regional Eleitoral, os advogados de Mão Santa conseguiram suspender a posse de Hugo, marcada para o dia seguinte, uma sexta-feira.

O TRE decidiu convocar o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Kleber Eulálio (PMDB), para assumir interinamente o governo.

Hugo só viria a tomar posse no Governo do Piauí em 19 de novembro, para um mandato-tampão de pouco mais de um ano.

A queda de Mão santa teve muitos desdobramentos na política estadual naqueles dias, nas eleições seguintes e anos afora.

O processo

Concorrendo à reeleição, o Mão Santa venceu o senador Hugo Napoleão, no segundo turno da eleição de 1998, por uma diferença de 23.91 votos, num universo de 1.250.563 votos válidos.

O processo contra o mandato de Mão Santa, de mais de 800 páginas, deu o primeiro passo logo depois da eleição, quando a assessoria jurídica do PFL o bombardeou com várias ações.

No dia 6 de março de 1999, por 5 votos a 1, o TRE julgava improcedente o pedido de cassação do mandato do governador. O PFL recorreu para Brasília. E lá o jogo foi virado.

Em sua decisão de 81 páginas, o TSE apontava três irregularidades que determinaram a cassação dos mandatos do governador e de seu vice, por abuso de poder econômico e político: a) a distribuição de medicamentos; b) contratação de cabos eleitorais para ocupação de cargos comissionados e c) anistia de contas de água.

Além destes, um outro conjunto de fatos foi mostrado no processo, mas, no julgamento do ministro relator, não teriam força suficiente para influenciar no resultado das eleições.

Foram eles: a) distribuição de cartilhas intituladas “Mãos que trabalham” e b) distribuição de cartilhas de divulgação de programa de assistência social.

O ministro enumerou, ainda, veiculação de peças propaganda oficial sobre os feitos da administração estadual vinculando-se ao nome do candidato à reeleição Mão Santa (“SPA Santo”, “Sopa na Mão”, “Luz Santa”, “Dar as mãos”).

Entre as irregularidades levantadas pelo advogado Marcus Vinícius Furtado Coêlho, para caracterizar o abuso do poder econômico do então governador do Piauí, constou, ainda, a contratação com recursos públicos de bandas de forró e de artistas populares para animar comícios de Mão Santa.

Um deles foi o cantor Reginaldo Rossi. A defesa do governador alegou que os artistas foram contratados para festas de inauguração de obras públicas.

Ao todo, a acusação movida pelo candidato derrotado ao Governo do Piauí, nas eleições de 1998, senador Hugo Napoleão (PFL), enumerou 22 denúncias, mas o governador perdeu o mandato sob a acusação de prática dos três itens alinhados pelo ministro Nelson Jobim.

Hoje faz 20 anos daquele fato que entrou para a história recente como a maior reviravolta política do Piauí.

(Com informações do livro “Atentai bem! Assim falou Mão Santa, 2009”)

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