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Tem cantoria no Céu!

João Claudino Fernandes, de quem o Piauí se despediu ontem, era um homem múltiplo.

Além do talento excepcional para os negócios e da imensa capacidade de trabalho, ele tinha também o dom da comunicação, um tato raro para a política e uma grandeza de espírito incomum.

Todos esses atributos pessoais fizeram dele um empresário de sucesso. Como um Midas dos tempos modernos, transformou, com seu irmão Valdecy, uma pequena loja aberta no interior do Maranhão em um dos maiores impérios econômicos do Nordeste, com sede no Piauí.

Não é do mega empreendedor, porém, que vou falar. Quero me fixar na figura humana de João Claudino, o Seu João – o homem simples, festeiro, emotivo e solidário que havia por trás do sagaz gigante do mundo dos negócios; o homem que não permitiu que o sucesso lhe subisse à cabeça nem lhe retirasse a simplicidade e a espontaneidade de sertanejo; o homem que, enfim, seguiu à risca a lição de Fernando Pessoa: “Põe quanto és no mínimo que fazes”.

No reino do repente

Conheci Seu João há mais de 30 anos. O que nos aproximou foi a cantoria de viola. Ninguém gostava mais de repentista do que ele. Ninguém valorizou mais esses artistas populares do que ele.

Desde que ouviu o primeiro cantador, Chagas Moisés, fazendo versos de improviso na pequena mercearia de seu pai, ainda na Paraíba de sua infância, tomou-se de encanto pela magia do repente.

Já um empresário próspero, irmanou-se com o professor Pedro Ribeiro na promoção do Festival de Violeiros que se realiza anualmente em Teresina, desde 1971.

Não há outro evento do gênero com tamanha longevidade no Nordeste, nem no Brasil nem no mundo!

E foi no festival que me aproximei dele, através do professor e poeta Pedro Ribeiro, esse gigante da cultura popular. Era um de seus amigos mais íntimos. Um dos poucos que tratavam Seu João como Claudino ou simplesmente como João.

Desde quinta-feira, quando circulou o boato do falecimento de Seu João, o Dr. Pedro é só pranto pela dolorosa perda do amigo e confidente. Chora incontrolavelmente por todos os poetas e amigos.

Outra amizade que nos aproximava era a do humorista João Cláudio Moreno, nosso amigo comum, que desde ontem chora e ora por todos os amigos.

A Casa do Cantador

Seu João financiava a Casa do Cantador, que construiu e inaugurou em 1985, mas dava aos poetas uma assistência que ia muito além do abrigo certo quando estavam em trânsito.

Eles recebiam também ajuda financeira para seus festivais, assistência médica e o que mais precisassem.

O principal de tudo era, no entanto, o respaldo moral que dava aos cantadores, apresentando-os aos seus amigos e às autoridades como gênios da arte.

E foi a partir de lá, da Casa do Cantador, que testemunhei em Seu João os gestos mais largos de simplicidade, amor e respeito aos mais humildes, nas mais diferentes situações.

O mecenas

A sensibilidade de Seu João para a arte não se manifestava apenas em relação ao repente, pelo qual inegavelmente tinha uma predileção especial.

“Sua sensibilidade para a cultura era do tamanho dos seus negócios! O coração 8.9 pulsava com mais força e se expressava pelo sorriso quando falávamos de livros, música, espaços de cultura e do Festival de Violeiros!”, resumiu ontem o secretário de Cultura, deputado Fábio Novo, ao se despedir dele em mensagem pelas redes sociais.

“Nos últimos 4 anos, foi o empresário disparado que mais patrocinou teatro, dança, música, artes plásticas, reformas de museus e bibliotecas, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura (SIEC)”, enfatiza o secretário.

Este é, portanto, o outro João Claudino que muitos não conhecem: o mecenas, que na maioria das vezes fazia e fazia questão de não aparecer.

Ele mostrou continuamente, durante mais de 60 anos, que o apoio às artes e às letras, bem como ao esporte, não impede a empresa de prosperar.

Ele mostrou, também, que investir em cultura é acreditar nos valores da terra.

A despedida

No dia 22 do mês passado, morreu vítima de infarto, aos 64 anos, em São José do Egito, Pernambuco, o repentista Valdir Teles, um dos maiores de sua geração e presença frequente e aplaudida no Festival de Violeiros do Piauí. Era um dos poetas preferidos de Seu João.

Ontem, o poeta paraibano Jomaci Dantas, que conhecemos menino no Festival de Violeiros de Teresina, compartilhou versos do poeta Antônio Marinho (neto do repentista Lourival Batista, o Louro do Pajeú, uma lenda da cantoria), despedindo-se do amigo João Claudino:

Quando Seu João Claudino percebeu

Que estava na luz sem sentir dor

Perguntou a Jesus, Nosso Senhor:

– Salvador, o que foi que aconteceu?

Então Cristo, sorrindo, respondeu:

– Entre, sente, Seu João, pode invadir…

Pense logo num mote pra pedir,

Olhe a festa que o céu hoje lhe fez!

Foi pra isso, que há pouco mais de um mês

Eu mandei o convite pra Valdir.

Que a alma de Seu João descanse em paz no Reino da Glória!

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